Netanyahu ignorou os protestos populares em 2011 e acreditou que se
manteria no poder com uma confortável maioria de direitistas e
ultra-ortodoxos. Foi surpreendido com um empate que o obriga a ponderar
uma aliança com o “centro-esquerda”.
Nos meses que precederam as eleições desta terça-feira em Israel,
Benjamin Netanyahu parecia obcecado com a “ameaça nuclear iraniana”, a
ponto de ter dado um ultimato a Barack Obama quando este preparava o seu
segundo mandato. Subitamente, porém, durante a campanha, a ênfase foi
dada à expansão dos colonatos. Era preciso responder a outra “ameaça”: a
ascensão do rival de extrema-direita Naftali Bennett, que prometia
anexar 60% da Cisjordânia e “purificar o Estado judaico”. O
primeiro-ministro ignorou, porém, que a maior preocupação dos israelitas
não eram os conflitos com persas e palestinianos, mas a crise
económica. E “Bibi”, ainda que o mais votado, foi derrotado por um voto
de protesto.
A aliança Likud-Yisrael Beiteinu, formada entre
Netanyahu e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Avigdor Lieberman,
mantém-se no Parlamento, mas com menos deputados – desceu de 42 de um
total de 120 para 31 –, e será forçada, provavelmente, a formar uma
coligação com o chamado “centro-esquerda”, graças ao surpreendente
segundo lugar (19) do partido Yesh Atid (“Há Um Futuro”), de Yair Lapid.
Em terceiro, ficaram os trabalhistas, de Shelly Yachimovitch (15). Na
quarta posição, colocaram-se os ultra-religiosos mizrahim (judeus
de origem no Médio Oriente e Norte de África) do Shas, que consideraram
“um milagre” os seus 11 deputados face ao descalabro dos seus parceiros
de governo.
Ao contrário do que previam todas as sondagens
(jamais fiáveis em Israel), o Habayit Hayehudu (“Casa Judaica”), do
milionário, ex-dirigente dos colonos e antigo major de elite Naftali
Bennett, ficou em 5º lugar e não em 3º, mas subiu de cinco para 11
deputados a representação parlamentar do antigo Mafdal, ou Partido
Religioso Nacional, que ele refundou o Novembro de 2012.
O Kadima,
de Shaul Mofaz, deixou de ser o maior bloco – de 28 lugares
restaram-lhe dois. O Meretz (esquerda sionista) duplicou o número de
deputados para seis. O Hatnuah (“Movimento”, centro-direita), da
ex-chefe da diplomacia Tzipi Livini que antes pertenceu ao Likud e ao
Kadima, teve apenas seis assentos – previa 15 a 17. Quanto aos partidos
onde predominam os palestinianos de cidadania israelita e que reclamam
um “Estado de todos os cidadãos e não um Estado judaico”: a Lista Árabe
Unida- Ta’al, subiu um lugar, para cinco; o Hadash e o Balad retiveram
os seus quatro e três lugares, respectivamente.
Uma das grandes
esperanças da esquerda não sionista, a palestiniana Asma
Agbaria-Zahalka, do Partido dos Trabalhadores Da’am (que inclui judeus e
árabes), não conseguiu ultrapassar o limiar de 2% dos votos. Teria
feito história como primeira mulher e primeira árabe a liderar um
partido no Knesset.
“Só em Israel um político ganha perdendo”, observou o analista judeu norte-americano Jeffrey Goldberg, na sua coluna no site Bloomberg.
Lapid será agora o fiel da balança, embora a senhora Yachimovitch já o
tenha desencorajado a juntar-se a Netanyahu. Talvez, para que ela
própria (sob pressão do partido para se demitir), possa manter-se na
liderança, face ao resultado “desencorajador” (como assumiu) dos
trabalhistas.
Perante o empate 60-60 no Knesset, comentadores como Ali Gharib, no Daily Beast,
admitem a possibilidade de o Presidente, Shimon Peres, por alguns
considerado “a verdadeira força da oposição”, optar por escolher o campo
do “centro-centro” para formar uma coligação, se Netanyahu estiver mais
inclinado a formar governo com Bennett, o Shas e outros religiosos.
Seja
qual for a solução, prevêem-se negociações difíceis nas próximas seis
semanas – o prazo para formar nova coligação. O sistema eleitoral
israelita, concebido após a criação do Estado em 1947, para que todos,
grandes e pequenos, tivessem voz, não permite governos maioritários. Os
potenciais primeiros-ministros são, assim, obrigados a regatear como
comerciantes de bazar. Especula-se que “Bibi” possa oferecer os Negócios
Estrangeiros a Lapid, retirando esta pasta a Lieberman, o imigrante
russo com processos judiciais em curso.
Lapid é uma antiga estrela
do jornalismo televisivo, filho de um veterano da política israelita
profundamente secular. O seu pai, Tommy, estava em permanente colisão
com os ultra-ortodoxos, e é natural que a nova estrela que ofuscou
Bennett mantenha a promessa de acabar com a isenção do serviço militar
obrigatório dos mais religiosos (algo que Bibi” foi incapaz de impor).
Embora inicialmente se manifestasse “a favor da paz, Yair fez campanha
nos colonatos, defendendo o controlo sobre a maioria destas comunidades
judaicas na Cisjordânia, e opondo-se a uma partilha da soberania de
Jerusalém com os palestinianos – os grandes ausentes destas eleições.
Muitos analistas locais vêem-no como uma personalidade ambiciosa e
maleável que Netanyahu facilmente manipulará.
E será fácil de
manipular porque não são os palestinianos – os grandes ausentes da
campanha apesar dos recentes combates com o Hamas na Faixa de Gaza – o
que mais preocupa os israelitas. Há 18 meses, o país, que era o mais
próspero do Médio Oriente, foi assolado por gigantescos protestos,
sobretudo em Telavive e em Jerusalém. Entre as várias reivindicações de
milhares de manifestantes estavam, designadamente, o fim da subida de
impostos e a descida dos preços das casas, que registaram um salto
recorde de 40% durante o mandato anterior de Netanyahu.
No seu Relatório Anual da Pobreza 2012,
a organização israelita Latet, que ajuda os mais desfavorecidos,
apresenta elementos perturbadores: “metade das crianças de famílias
carenciadas” (são sobretudo haredim ou ultra-religiosos e
palestinianos de cidadania israelita) foram obrigados a deixar a escola e
a trabalhar para subsistir; só 4% dos idosos com subsídios do Estado
“conseguem viver com dignidade”; 15% da população teve de procurar um
segundo emprego para aumentar o salário mensal; 18% precisaram de
contrair empréstimos bancários, sobretudo para a habitação, cujos preços
aumentaram mais de 40%. Tendo concentrado todas as energias no campo da
segurança, Netanyahu descurou este flanco e foi agora penalizado pelos
eleitores.
Para Jeffrey Goldberg, acabou-se o reinado de “Bibi”, a
figura arrogante que contratou estrategas eleitorais americanos e se
fez fotografar ao lado do actor de filmes violentos Chuck Norris, para
enfatizar a sua fama de “falcão”. Para os editorialistas do diário Ha’aretz,
“Netanyahu é um homem do passado” que “perdeu na esfera política
[doméstica], na esfera política externa e na esfera socioeconómica” .
Com Israel perante um período de “incerteza”, o seu fracasso como líder
“coloca em dúvida se ele se manterá no poder”.
http://www.publico.pt/mundo/noticia/como-bibi-deixou-de-ser-rei-de-israel-1581843
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